terça-feira, 26 de junho de 2018

ROTEIRO DE ESTUDO - ESTUDAR MARX (para iniciantes)




Por Ivo Tonet

Breve introdução

          Se você pudesse ter acesso ao melhor instrumental possível, o mais avançado criado até hoje, para atingir determinado fim, não o utilizaria?

Ora, se o objetivo é conhecer a realidade social para poder intervir nela e transformá-la de modo a propiciar o bem-estar de todos, você não buscaria o melhor instrumental adequado a esse fim?

Mas, como decidir qual o melhor instrumental? Sabemos que existem grupos sociais (classes) que querem que a sociedade permaneça na sua forma atual (capitalista) porque isso serve bem aos seus interesses. Mas, sabemos também que existem outros grupos sociais (especialmente os que compõem a classe operária), que, por serem explorados, tem interesse em mudar radicalmente a sociedade. É, pois, a partir dos interesses mais fundamentais desses últimos que devemos buscar o critério para decidir qual o melhor instrumental para conhecer a realidade social. Com efeito, os trabalhadores precisam conhecer esta realidade o mais profundamente possível para poder intervir nela e eliminar a exploração da qual são vítimas. Para isso eles precisam de uma teoria que lhes permita compreender a realidade social e orientar as suas lutas.

Essa teoria precisa responder, para começar, a duas grandes perguntas: 

1) O que é a realidade social, ou seja, qual a sua origem, qual a sua natureza e como se desenvolve, em linhas gerais, o processo histórico. 

2) Como se conhece  a realidade social, ou seja, a problemática relativa ao processo de conhecimento.

A resposta a essas duas perguntas possibilita lançar os fundamentos de uma concepção de mundo que responda aos interesses dos trabalhadores. Também poderá propiciar um instrumental teórico que permita conhecer a realidade social concreta e, assim, orientar as suas lutas.

A principal figura que realizou essa enorme tarefa foi Marx. Com todas as lacunas e defeitos que sua obra tenha, ela é o melhor instrumental teórico que a humanidade já produziu para compreender a realidade social e assim permitir que os trabalhadores possam orientar as suas lutas em direção a uma transformação radical.

Mas, a obra de Marx é complexa e há muitas interpretações dela. Por onde começar e como prosseguir para apreendê-la do melhor modo possível?

Esse roteiro pretende ser uma sugestão, dirigida a iniciantes, para atingir esse objetivo. Vale enfatizar: trata-se apenas de uma orientação, para iniciantes, sem nenhuma intenção de ser exclusiva, para facilitar o trabalho de quem pretenda adentrar ao estudo do pensamento desse grande autor. Estudos mais aprofundados requererão as retomadas desses mesmos e de outros textos de Marx.

Uma observação: Serão destacados os que me parecem ser os núcleos fundamentais da obra marxiana. Todavia, nela também poderão ser encontradas referências a outros temas, também importantes e que o leitor irá descobrindo ao longo do estudo. Como exemplo: modo de produção, ideologia, consciência de classe, partido político, arte, educação etc.

 A respeito de cada tema também serão indicadas as obras consideradas principais e algumas obras complementares. Porém, como leitor poderá perceber, ao longo do estudo, referências a cada tema estarão presentes em muitos outros textos, citados e não citados.

1.     Explicando o roteiro

É bom lembrar que Marx estava construindo algo radicalmente novo. Isso supõe continuidade, mas também descontinuidade, tateios, correções e aprofundamentos. Mas, a meu ver, sem rupturas essenciais.

Em vista disso, o estudo do seu pensamento não deve seguir uma ordem prioritariamente cronológica. Trata-se, antes, de apreender o fio condutor a que ele mesmo chegou após vários anos e que costura toda a sua obra.

2.     Trabalho e concepção materialista da história

Contrapondo-se à concepção idealista da história, que predominava no seu tempo, Marx lança os fundamentos de uma concepção histórico-materialista da realidade social. Com isso ele fundamenta a ideia de que a realidade social é produto total, integral e exclusivo dos seres humanos.

Qual o ponto de partida, ponto esse que foi sendo descoberto na medida em que ele foi assumindo a perspectiva da classe trabalhadora? Voltando-se para a realidade e não partindo de ideias pré-concebidas e especulativas, Marx examina os indivíduos concretos e, então, descobre que o ponto de partida é o trabalho, na sua forma mais geral. Para viver, os homens tem que trabalhar, isto é, transformar a natureza. Desse modo, a primeira categoria a ser estudada deverá ser a categoria do trabalho como fundante da realidade social.

Elementos fundamentais para entender essa categoria podem ser encontrados em A ideologia alemã, nos Manuscritos econômico-filosóficos e em O Capital (cap. V, item 1).

A partir do trabalho buscam-se os fundamentos da concepção materialista de história. Estes podem ser encontrados em A ideologia alemã, na Contribuição à crítica da economia política (Prefácio); em Cartas – De Marx a J. Weydemeyer e a P. V. Annenkov; de Engels a Joseph Bloch; de Engels a Heinz Starkenburg.

Leituras complementares: O trabalho, In: Para um ontologia do ser social, parte II, cap. 1, de G. Lukács; Trabalho, sociedade e valor, de J. P. Netto e M. Braz, In: Economia Política – uma introdução crítica.

3.     Sociedade burguesa

a)                  Economia

Vale lembrar que, para Marxeconomia significava o conjunto das relações de produção e forças produtivas que caracterizava a forma de produzir a riqueza.  Não se trata, portanto, de uma questão meramente econômica, mas também de como, juntamente com a produção da riqueza, se produzem as relações sociais. É a forma que o trabalho assume na sociedade capitalista.

Sugere-se, para isso, começar pelo Manifesto do Partido Comunista, depois o cap. XIV de O Capital – A chamada acumulação primitiva. Em seguida: Trabalho assalariado e capital; Trabalho, preço e lucro; O Capital e os Grundrisse. Vale lembrar advertência de Marx, no Prefácio a O Capital: “Os primeiros passos são sempre difíceis e isto verifica-se em todas as ciências. Por conseguinte, o primeiro capítulo (de O Capital), particularmente a seção que contém a análise das mercadorias, é a parte que apresenta maiores dificuldades à compreensão”.

Há inúmeros textos de apoio a essa leitura. Apenas a título de sugestão: Economia política – uma introdução crítica, de José Paulo Netto e Marcelo Braz.

Mas, além da base material, também é preciso compreender outros elementos importantes da sociedade burguesa. Especialmente:

b)               Classes e lutas de classes

Como surgem as classes sociais, a partir da propriedade privada, qual a sua natureza e a decisiva importância que as lutas travadas entre elas têm para a história da humanidade

 Para isso, importante ler: Manifesto do Partido Comunista; O Capital, Salário, preço e lucro; A ideologia alemãMiséria da Filosofia (cap. II, 5); As lutas de classes na França; O 18 Brumário de Luís Bonaparte; A guerra civil na FrançaA origem da família, da propriedade privada e do Estado, de F. Engels. Vale lembrar que o entendimento do que são classes sociais começa pela posição que certos grupos de indivíduos ocupam no processo de produção da riqueza. A partir daí, e em conexão com isso, adentram elementos políticos, ideológicos e outros.

c)                 Estado

 Como surge o Estado, a partir da existência da propriedade privada e das classes sociais, qual a sua natureza e quais as funções que ele exerce na reprodução da sociedade. Leituras: Glosas críticas marginais ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De um prussiano; Manifesto do Partido Comunista; A ideologia alemã; As lutas de classes na França; O 18 Brumário de Luís Bonaparte; A guerra civil na França; A questão judaica; O Capital; A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Engels.

d)                Alienação

Em que consiste a alienação, qual o seu fundamento, quais as suas formas e quais as suas consequências sociais. Vale lembrar que a alienação não é apenas e nem principalmente um fato de consciência, mas tem sua origem em determinadas relações essenciais que os homens estabelecem entre si no trabalho. Leituras: A ideologia alemã; Manuscritos econômico-filosóficos; O capital (cap. I, item 4: O fetichismo da mercadoria: seu segredo).

e)                 Comunismo

Importante partir do pressuposto de que o trabalho é a categoria fundante do ser social. Por isso, todo modo de produção (forma de sociabilidade), sempre terá, como seu fundamento, uma determinada forma de trabalho. Trabalho de coleta, na sociedade primitiva; trabalho escravo, no escravismo; trabalho servil, no feudalismo e trabalho assalariado, no capitalismo. Como o comunismo é a forma de sociabilidade mais livre possível, a forma de trabalho que o fundamenta também deverá ser a mais livre possível. Esta forma, Marx chamou de trabalho associado. Leituras: Manuscritos econômico-filosóficos; O Capital (em várias passagens, mas especialmente no cap. LXVIII); A ideologia alemã; Manifesto do Partido Comunista; Crítica do programa de Gotha.

Leituras complementares: Comunismo, do que se trata? De S. Lessa. In: Revista “O Comuneiro”, n. 04, p. 1-14, 2007. Sobre o socialismo, de I. Tonet. In: ivotonet.xp3.biz

f)                  Revolução: fundamentos, natureza, sujeito(s) e mediações

Importantíssimo compreender a essência da revolução. Sempre partindo do pressuposto do trabalho como categoria fundante do ser social, a essência da revolução proletária está na superação do trabalho assalariado – fundamento da sociedade capitalista e na instauração, em seu lugar, do trabalho associado. Importantíssimo também entender que trabalho associado não é trabalho voluntário, economia solidária ou trabalho sob forma de cooperativas, mas uma forma de trabalho livre, consciente, coletiva e universal, voltada para uma produção que satisfaça as necessidades humanas e não a acumulação de capital. Também é importante atentar para o fato de que a revolução proletária tem dois momentos, articulados entre si: o momento político - destruição do Estado burguês e retomada do poder político pelo conjunto dos revolucionários – e momento social – instauração do trabalho associado como fundamento da nova totalidade social. Mais ainda: que o sujeito fundamental – mas, não único - da revolução é a classe operária.  Leituras: Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a reforma Social. De um prussiano; A ideologia alemã; Manifesto do Partido Comunista; A guerra civil na França; As lutas de classes na França, O 18 Brumário de Luís Bonaparte.

Leituras complementares: Trabalho associado e revolução proletária Trabalho associado e extinção do Estado, de I. Tonet. In: ivotonet.xp3.biz

g)    Método científico

Compreender a realidade social é fundamental para poder transformá-la. Uma concepção radicalmente nova da realidade social não poderia deixar de requerer um método de produzir conhecimento científico também radicalmente novo. Diferentemente do método científico moderno, centrado no sujeito, Marx funda um método científico centrado no objeto. Trata-se, pois, de buscar a lógica do objeto, produto da atividade humana, traduzindo-a teoricamente. Por isso, também diferentemente do método científico moderno, cuja pergunta inicial é: quais as possibilidades e os limites da razão, a pergunta inicial desse novo método é: o que é a realidade social; quais são as suas determinações mais gerais e essenciais? A segunda pergunta, sim, é: como se conhece a realidade concretamente. Ou seja, uma ontologia do ser social precede uma gnosiologia, uma epistemologia e uma metodologia.

Leituras: Manuscritos econômico-filosóficos; A ideologia alemã; Grundrisse (O método da economia política); O Capital (Posfácio à 2ª ed. Alemã); A Sagrada Família (cap. 5, idem 2- O mistério da construção especulativa); Miséria da filosofia (cap. II).

Leituras complementares: Introdução ao método de Marx O método de Marx, de José Paulo Netto; Método científico – uma abordagem ontológica, de I. Tonet.

4.     Elementos Bibliográficos


Algumas sugestões de leituras acerca da vida de Marx: M. Rubel. K.  Marx - ensaio de biografia intelectual; M. Gabriel. Amor e Capital; F. Wheen.  O "O Capital" de Marx - uma biografia.

Maceió, outubro de 2017

Ivo Tonet 

ALGUMAS LIÇÕES A PARTIR DA CONJUNTURA ATUAL

                                                              Por Ivo Tonet Introdução Como se pode ver, inúmeras e importan...