Por Sérgio Lessa
O
liberalismo é a concepção de mundo que melhor justifica o domínio do capital
sobre a humanidade. Por isso é uma corrente de pensamento tão importante, tanto
para os capitalistas, que nele se apoiam, quanto para os revolucionários, que
nele encontram seu principal adversário no campo das ideologias.
A
origem do liberalismo
Tudo
começou com a crise do modo de produção feudal.
Diferente do modo de produção escravista, no feudalismo o trabalhador, o
servo, ficava com uma parte do que produzia. Ainda que uma parte muito pequena,
cerca de um quinto, o aumento da produção fazia crescer a parte do trabalhador
e, com isto, este último tinha interesse em aumentar a produção. O resultado
foi um desenvolvimento das forças produtivas nunca antes conhecido pela humanidade;
em poucas palavras, o feudalismo “deu certo”.
E isto
gerou as contradições que o levariam ao desaparecimento. Com o crescimento da
produção, aumentou também a população e, a partir dos séculos 12 e 13, havia
mais gente nos feudos do que necessitava o senhor feudal. Este, então, começou
a expulsar dos feudos os servos excedentes que, sem terem onde produzir, começaram
a praticar o comércio, aproveitando-se da produção cada vez maior nos feudos.
Naquele
período histórico, toda riqueza era retirada diretamente do trabalho manual do
servo ou do artesão. Era esta era a
fonte da riqueza dos senhores feudais e da Igreja católica. Com o comércio,
contudo, algo que, para eles, era muito estranho, começou a ocorrer. Compra-se
um saco de trigo em um feudo que tem trigo de sobra e se o troca por 2 sacos de
cevada em um feudo que tem cevada mas não tem trigo. Com estes 2 sacos de
cevada, volta-se ao feudo que tem trigo e não tem cevada e ocorre um milagre:
os 2 sacos de cevada valem mais do que aquele primeiro saco de trigo. Hoje, todos nós conhecemos bem o que, então,
era um milagre, porque era incompreensível: a lei da oferta e da procura faz
com que o preço do trigo e da cevada aumente ou diminua conforme maior ou menor
oferta.
Sem
que se produzisse nada, o mercador ia se enriquecendo, simplesmente levando uma
mercadoria de um canto a outro. Nesta situação, a única coisa que importa ao
mercador é se aquilo que ele transporta dará um lucro maior ou menor, ou seja:
a lucratividade da mercadoria. Se a mercadoria é um remédio de extrema
utilidade, ou uma bomba atômica – pouco se lhe dá: o que importa é o lucro que
ele vai tirar da venda da mercadoria. De todas as qualidades do que ele
transporta, apenas uma de fato tem importância: o valor de troca.
Esta é
a origem do capitalismo: um sistema econômico para o qual a única coisa que tem
importância é o valor de troca. As mercadorias serão produzidas se derem lucro
– a utilidade para os humanos, ou a necessidade das pessoas, apenas são
consideradas quando e se derem lucro. Numa frase famosa de O
Capital, Marx comenta que, com sistema do capital, a produção se amplia
enormemente, já que a quantidade e a variedade das mercadorias crescem
enormemente; contudo, ao mesmo tempo, a produção se restringe também
enormemente, porque produz apenas valor de troca.
O
capitalismo nascente se encontrou, desde muito cedo, em confronto com o
feudalismo. No campo econômico, a principal contradição estava no lucro. No
feudalismo, como o comércio era muito restrito, o lucro tinha um papel
econômico muito pouco importante. Para os comerciantes, contudo, o lucro era
sua única razão de existir, o único móvel de sua atividade econômica. Para os
comerciantes tudo deveria se converter em mercadoria. Para isso era preciso
retirar os servos dos feudos e convertê-los em trabalhadores assalariados e, ao
mesmo tempo, era preciso tirar as terras dos nobres para convertê-las em
mercadorias. Em poucas palavras, era preciso destruir a economia feudal para
que a economia capitalista pudesse se desenvolver.
Esse
antagonismo na economia tem seu reflexo no mundo das ideias. De um lado a Igreja e os senhores feudais justificavam seu domínio a partir da concepção
de que Deus criou o universo e, se existem senhores feudais e servos, é porque
isto corresponderia aos desígnios divinos. De outro lado, os comerciantes
tinham a necessidade de desenvolver uma concepção de mundo que se contrapusesse
à feudal – e que justificasse porque o mundo ideal seria o mundo capitalista,
burguês.
A
concepção de mundo criada pela burguesia para justificar o capitalismo é o liberalismo.
Seus primeiros pensadores significativos
surgem no Renascimento Italiano, mas os seus pensadores mais importantes
viveram durante os séculos 16 e 18, nos Países Baixos, na Inglaterra e na
França e, na passagem do século 18 ao 19, na antiga Alemanha.
O
liberalismo revolucionário
Entre
os séculos 16 e 19, a burguesia evolui, de uma classe de comerciantes submetida
aos poderes feudais, a uma classe dominante de todo o planeta. Economicamente,
desenvolveu as rotas comerciais no interior da Europa e, entre 1450 e 1650,
criou o mercado mundial. Com isso, a produção de mercadorias passou a ser
realizada não mais pelos artesãos medievais, mas pelas manufaturas, que vão se
desenvolvendo até que, na segunda metade do século 18, inicia-se na Inglaterra
a Revolução Industrial.
Foram
nesses séculos que tivemos as duas primeiras revoluções na história, a
Revolução Inglesa do século 17 e a Francesa do século 18. Estas duas revoluções
foram decisivas para se superar o modo de produção feudal e para estabelecer a
sociedade burguesa em sua maturidade.
E foi
ao longo destes séculos (do 16 ao 19) que se desenvolveu o liberalismo
revolucionário, isto é, a concepção de mundo da burguesia que, então, era a classe
revolucionária.
Para
justificar, do ponto de vista econômico, o capitalismo, surge o liberalismo
econômico. A Economia Política é a ciência liberal-burguesa criada para
explicar o que é e como funciona o capital, para se compreender “de onde vem a
força do dinheiro”. Seus grandes
representantes são Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1722-1823).
Para
justificar do ponto de vista político sua luta pelo poder, a burguesia vai
desenvolver o liberalismo político, cuja pedra de toque é a ideia de um contrato
social. Isto é: um governo legítimo é aquele que nasce de um livre acordo entre
os governados, e não por uma imposição, como eram as monarquias hereditárias da
época.
Para
justificar a nova ciência imprescindível para desenvolver as forças produtivas
do capital, os dois grandes cientistas foram Galileu Galilei (1564-1642) e
Newton (1643-1727). Eles destruíram a concepção medieval de um universo finito
em cujo centro se encontraria a Terra.
E,
para justificar – como um todo – a sociedade burguesa que estava nascendo, a
burguesia desenvolve o liberalismo filosófico, cujos principais representantes
são Descartes e Bacon, na geração seguinte Hobbes (1578-1689) e Locke
(1632-1704), depois Kant (1724-1804) e Rousseau (1712-1778) e, finalmente, o
grande pensador burguês, Hegel (1770-1831).
O
liberalismo, em sua fase revolucionária, trata de todos os aspectos da vida
humana, da ciência à economia, da filosofia à política: é uma autêntica
concepção de mundo.
Os
princípios do liberalismo revolucionário
Os princípios
mais importantes do liberalismo, em sua etapa revolucionária, são o
individualismo e o conceito de natureza humana.
Para
os filósofos, economistas, cientistas e políticos burgueses, o ser humano seria
dotado de uma natureza imutável. Tal como a natureza dá à pedra uma natureza de
pedra; à agua, uma natureza de água, também daria ao ser humano uma certa
natureza. O ser humano seria racional, viveria em sociedade e seria um
proprietário privado, por isso, mesquinho, egoísta e concorrencial.
Tal como
a natureza da pedra, da água etc. seriam imutáveis, a natureza humana seria
também imutável. Seríamos, por isso, necessariamente e para todo o sempre,
seres concorrenciais, mesquinhos, dos quais a única razão de viver seria
acumular riqueza na concorrência com todos os outros.
Este
egoísmo e esta mesquinharia, este individualismo foi avaliado de modo muito
diferente pelos diversos pensadores da burguesia revolucionária. Hobbes
avaliava que era uma ameaça à sociedade e, para controlá-la, seria preciso um
Estado absolutista, o Leviatã. Adam Smith julgava que este egoísmo seria a
fonte de toda prosperidade social, argumentando que a busca do enriquecimento
(pelos indivíduos) faria com que se produzisse mais, se gerasse empregos,
fazendo, assim, que o egoísmo do indivíduo se convertesse em prosperidade de
todos pela “mão invisível do mercado”. Contudo, independente de como fosse
avaliado, todos concordavam que o egoísmo e a mesquinharia das pessoas (seu
individualismo) eram características eternas dos seres humanos.
Como,
então, organizar uma sociedade justa, se os indivíduos não fazem outra coisa
senão concorrer entre si, senão disputar constantemente a riqueza? Como fundar
uma ordem social justa se a relação social predominante é todos
roubando de todos?
Vejam:
esses pensadores não estavam inteiramente equivocados. Observando-se a
sociedade burguesa (daquele período, mas, também, a do presente), não é difícil
a constatação de que todos lutam contra todos, que, de fato, como queria
Hobbes, o homem é o lobo do próprio homem. Na
análise da sociedade de então, esses pensadores não estavam equivocados. O
equívoco estava em imaginar que a essência burguesa dos homens fosse eterna,
que os homens sempre foram e sempre seriam, tal como os burgueses, mesquinhos,
concorrenciais, egoístas, em uma palavra: individualistas. Hoje, sabemos que
não é assim: na história, este individualismo apenas existiu quando os homens
foram alienados pelo capital; apenas na sociedade burguesa há esta expressão de
individualismo.
Foi
também observando a sociedade de então que se atinou com uma proposta para a
organização da sociedade. Dois comerciantes, um que compra e o outro que vende,
possuem interesses rigorosamente opostos: ambos querem ganhar, mas apenas é
possível um ganhar se o outro perder e vice-versa. Contudo, mesmo com esta
contradição insuperável entre eles, pode-se fazer um contrato e comércio entre
eles pode ter lugar.
Do
mesmo modo, raciocinavam muitos pensadores da burguesia revolucionária,
poder-se-ia fazer um acordo entre todos para criar uma sociedade que garantisse
os interesses mínimos de todos os seus membros. A ideia de um acordo geral de
todos os cidadãos é o Contrato Social, seus
defensores foram denominados contratualistas. Os
dois mais importantes contratualistas são Locke e Rousseau. Há grandes
diferenças entre eles, mas o núcleo que têm em comum é o que nos importa: a
defesa do contrato social como a maneira de se organizar uma nova sociedade que
possibilitasse a livre atividade dos burgueses.
Da
concepção de que as pessoas são, por natureza imutável, proprietárias privadas
e, por isso, individualistas, decorrem as principais características do
contrato social que ambos propõem. Em primeiro lugar, reconhecem que o maior
bem, além da vida, é a propriedade das pessoas.
Assim, o contrato social deve defender a vida e a propriedade privada de
todos.
Contudo,
como pela concorrência alguns irão se enriquecer e, outros, se empobrecer, a
defesa da propriedade privada de todos não pode se contrapor à existência e
mesmo ao crescimento da desigualdade. Como
isto é possível? Defendendo-se:
1) que
todos são proprietários privados: pelo
menos de suas posses e de suas forças de trabalho;
2) que
todos são iguais perante a lei e, por
isso, o novo contrato social não vai proteger o pobre do rico;
3)
que, quando alguns indivíduos se enriquecem, toda a sociedade sai
ganhando, pois – como disse Smith – surgem novos empregos, o comércio é estimulado
etc. e, deste modo, tem lugar a prosperidade coletiva. O direito supremo a ser garantido
pelo contrato social, depois da vida, é o da propriedade privada: com isso se legitima
a concorrência e a desigualdade inevitável que dela surge.
4) que
a ordem política justa é a democrática-eleitoral.
Organiza-se a luta pelo poder ao redor da manifestação dos cidadãos pelo voto.
Nada mais de monarquias hereditárias!
5) separa-se
a ciência da religião e da filosofia: agora o capital pode desenvolver o
conhecimento científico que necessita, pois não mais precisa se preocupar com
os obstáculos impostos pela filosofia e pela religião. A ciência moderna surge
e se desenvolve com a função prática de fornecer tecnologias cada vez mais
desenvolvidas para aumentar a lucratividade na produção de mercadorias. A
ciência ganha um acento prático que não tinha na mesma intensidade: sua razão
de existir fundamental passa a ser o desenvolvimento da tecnologia para o
capital.
Com
esta concepção de mundo, centrada no individualismo e na propriedade privada, o
feudalismo foi derrotado em duas grandes revoluções, a inglesa e a francesa, e
a humanidade foi convertida em um mercado mundial. A burguesia se elevou,
então, em classe dominante em todo o planeta. Deixou de ser uma classe
revolucionária e se converteu em uma classe contrarrevolucionária e a sua
concepção de mundo, o liberalismo, se converteu então, de revolucionário em
contrarrevolucionário.
O
liberalismo contrarrevolucionário
Como é
possível que uma mesma teoria que, por séculos, liderou a luta contra o
absolutismo feudal, que colocou a democracia como um valor universal, que
levantou a bandeira dos direitos iguais para todos, que converteu todos os
súditos de reis absolutistas e tiranos em cidadãos (com comuns direitos e
deveres), que proclamou os Direitos Universais do Homem e do Cidadão, que
afirmou o direito à revolução de povos oprimidos por tiranos – como é possível
que esta teoria, sem passar em seu conteúdo por qualquer mudança essencial,
possa ter se convertido em uma concepção de mundo contrarrevolucionária?
Pela
mudança radical da situação histórica e, com ela, das necessidades e
possibilidades que se impuseram à humanidade.
A
Revolução Francesa (1789-1815) e a Revolução Industrial (1776-1830) alteram
tudo.
O
aumento da produtividade do trabalhador lançou a humanidade, pela primeira vez
na história, no período da abundância. Isto
significa, muito brevemente, que com uma oferta maior do que a procura, o
mercado deixou de funcionar: os preços tendem a cair abaixo do custo de
produção, o que inviabiliza todo funcionamento da economia burguesa. Sem preços
“compensadores”, a burguesia suspende a produção, o desemprego aumenta e toda a
economia entra em crise. Das crises cíclicas à crise estrutural que se inicia
nos anos de 1970, é apenas uma questão de intensificar as contradições do
sistema do capital: a abundância inviabiliza o mercado e, com isso, toda a
economia voltada à produção de mercadoria torna-se historicamente
inviabilizada. Desde o fim da Revolução
Industrial, até os nossos dias, houve mais anos de crise que de prosperidade.
Se a
Revolução Industrial nos colocou na era da abundância, a Revolução Francesa
eliminou os últimos resquícios importantes do feudalismo. Abriu aos burgueses um
enorme mercado e, ainda mais significativo, liberou dos feudos uma enorme massa
de trabalhadores que agora, para sobreviverem, tinham como única alternativa
vender sua força de trabalho ao capital. Chegamos ao capitalismo maduro.
O
capitalismo abriu, para a humanidade, um conjunto de possibilidades e
necessidades qualitativamente novas. Do ponto de vista da economia, é
imprescindível se passar a uma produção que não mais dependa do mercado – pois
este já não mais funciona. Para se superar o mercado, é imprescindível superar a
produção voltada para o lucro, é preciso passar-se a uma produção do que é
necessário aos seres humanos, e não daquilo que é lucrativo. Deve-se passar do
trabalho proletário ao trabalho associado.
Para
isto é preciso eliminar o capital, pois este impõe à economia uma produção
centrada no lucro. Para se eliminar o
capital, é imprescindível eliminar a burguesia, a classe que é a personificação
do capital. Em suma, com a abundância e o fim do feudalismo, a humanidade passa
a ter como necessária – e como uma possibilidade real – a superação do
capitalismo por uma sociedade sem classes, cuja produção esteja voltada ao
atendimento das necessidades humanas (e não ao acúmulo de lucros).
É preciso, agora, uma nova concepção de mundo
que evidencie a essência desumana, alienada da propriedade privada e da sua
forma contemporânea: o capital. Esta, precisamente, é a função histórica da obra
de Marx e Engels, o marxismo. É esta
mudança da situação histórica que fez do liberalismo uma ideologia
contrarrevolucionária.
O
individualismo e a liberdade
Contra
o feudalismo e o absolutismo, o liberalismo revolucionário afirmava, como
vimos, que o indivíduo tem uma natureza, uma essência, que lhe é dada pela
natureza de uma vez para sempre. Como parte desta essência estão o direito
à propriedade privada e o individualismo.
Agora, na era da abundância, o liberalismo apresenta o mesmo argumento. Como o
ser humano seria por essência imutável um egoísta proprietário privado, por pior
que seja a sociedade burguesa, não haveria melhor alternativa. Os males da sociedade
não seriam resultado de uma organização desumana da produção, mas de um defeito
incorrigível (e de nascença) de todos nós: seríamos todos incorrigivelmente
burgueses.
O
individualismo e o egoísmo seriam o limite da história humana: não seria
possível superar esta essência imutável dos indivíduos e, por isso, também não
seria possível uma sociedade que não fosse ordenada pela concorrência, pelo
mercado e pelo lucro, justamente a sociedade capitalista. O máximo de liberdade que poderia ser
conseguida é a liberdade do mercado e da democracia. O
máximo de igualdade que poderia ser conseguida é a do mercado, na qual todos
são proprietários privados, e da democracia, em que todos
são cidadãos. Todos quer dizer: proletários e
burgueses, igualmente.
A
concepção de mundo liberal transformou-se, assim, de revolucionária em
contrarrevolucionária, acompanhando o destino histórico da classe que a criou.
A defesa do individualismo, da propriedade privada, do mercado como regulador
das disputas econômicas e de uma disputa pelo poder do Estado regulamentada democraticamente
– ideias que, entre os séculos 16 e 19, tinham a força de concepções
revolucionárias – se converteram na defesa do poder do capital sob a
humanidade, se converteram em ideias contrarrevolucionárias. Não porque mudou a
essência destas ideias, mas porque se alterou essencialmente a situação
histórica.
As
transformações do liberalismo no século 20
O
desenvolvimento do capitalismo e a intensificação de suas contradições levou o
liberalismo a várias mudanças. A mais importante ocorreu na economia, em que uma
parte dos liberais passou a defender uma maior intervenção do Estado.
Ao
final do século 19, após a crise de 1870-71, começou se tornar claro que a
intervenção do Estado na economia, estava se tornando cada vez mais urgente -
na medida em que a instabilidade do sistema capitalista se intensificava com o
constante aumento da superprodução.
O
Estado deveria intervir na economia de três modos.
O
primeiro, comprando. Ampliar o poderio bélico desenvolvendo o complexo
industrial-militar era uma excelente alternativa, provocar guerras de tempos em
tempos, uma alternativa ainda melhor (desde que se ganhasse a guerra,
naturalmente). Outra maneira importante é através das políticas públicas. Um
programa nacional de saúde faz com que o Estado se torne grande comprador de
remédios e de toda ordem de produtos farmacêuticos e, ainda, contrate a
construção de hospitais, laboratórios etc. Esta é a origem do complexo
farmacêutico hospitalar de nossos dias. As grandes encomendas estatais são, não
apenas para a área da saúde, um grande reforço para a lucratividade do capital.
O
segundo modo pelo qual o Estado deveria intervir na economia é subsidiando
o custo da reprodução da força de trabalho. Se o Estado oferece
escolas públicas, saúde pública, transporte público gratuitos ou fortemente subsidiados,
o salário que o capitalista tem que pagar ao trabalhador pode ter menor valor,
pois o trabalhador tem agora uma série de serviços gratuitos ou muito mais
baratos, fornecidos pelo Estado. Se o salário pode ter um valor menor, a mais-valia
correspondentemente se amplia e aumenta a lucratividade do sistema o capital
como um todo (conferir no Jornal Espaço Socialista, nº 81,
o texto sobre mais-valia). Claro que, este segundo modo coincide, em alguma medida
importante, com o primeiro. Pois ao oferecer escolas públicas, transporte
público etc. o Estado passa a comprar tudo o que é necessário para tais
serviços e, desta forma, contribui para o controle da superprodução.
O
terceiro modo pelo qual o Estado deveria intervir na economia é intensificando
o consumo dos indivíduos. O principal estímulo ao consumo é a oferta de crédito
subsidiado ou com juros baixos pelos bancos estatais. Há outros mecanismos,
como a regulamentação de uma rede de comunicação de massa imprescindível para
que a propaganda faça-nos comprar não apenas o que não necessitamos, mas até
mesmo o que nos é prejudicial; a regulamentação de uma menor jornada de
trabalho para que as pessoas possam consumir mais etc. Mas, o fundamental
mesmo, nesta área, é uma política de créditos que incentive o consumo.
Sem
abandonar o individualismo possessivo, a defesa do mercado e da propriedade
privada, sem deixar de lado a defesa de que a democracia e o mercado são os
maiores espaços de liberdade possíveis à humanidade, surgiu uma vertente dentro
do liberalismo que defende um Estado economicamente mais ativo como meio de
controle das crises econômicas. Essa
vertente autodenominou-se de liberalismo social e, na
economia, sua principal vertente é o keynesianismo.
O
liberalismo social e o Keynesianismo
A
ideia chave do liberalismo social é que o Estado deveria intervir na economia.
Como parte desta intervenção deveria ocorrer sob a forma de políticas públicas que
oferecessem educação, saúde, transporte, cultura (museus, parques, esportes
etc.) para os cidadãos, o liberalismo social se apresenta como defensor dos
interesses não apenas dos burgueses, mas principalmente dos trabalhadores e dos
proletários – por isso, o “social”.
A
ideia chave do keynesianismo é que se deveria promover um “círculo virtuoso”:
aumentar a produção, tornando assim as mercadorias mais baratas; com
mercadorias mais baratas, aumenta-se o consumo; com maior consumo, maior a
produção, preços mais baixos e, novamente, maior consumo. Os keynesianos
(muitos deles, no Brasil de hoje, são petistas e defendem o
“desenvolvimentismo” de Lula e de Dilma) propõem que a crise deve ser
enfrentada por grandes investimentos estatais os quais, ao aquecer a produção,
colocariam a economia no círculo virtuoso – quanto maior a produção, menores os
preços, maior a produção e assim sucessivamente.
O
liberalismo social e o keynesianismo se converteram, principalmente depois da
crise de 1929, na base ideológica da socialdemocracia e dos reformistas em geral.
A tresloucada ideia de que seria possível fazer o capitalismo evoluir de
“selvagem” a “humano”, através de uma correta política econômica que promovesse
uma adequada intervenção do Estado na economia, é a base de todo reformismo.
Quer o reformismo assim o confesse ou não. E, esta base possui, sempre, elementos
do liberalismo social e do keynesianismo.
Enfim...
O liberalismo é, em uma frase, a concepção de mundo burguesa por excelência.
Nasceu, se desenvolveu, cumpriu seu papel revolucionário e se converteu no
“neoliberalismo” de nossos dias, acompanhando a trajetória histórica da classe
que é sua criadora. Seu núcleo
teórico-ideológico mais importante é a concepção de que a natureza dotou os
seres humanos de uma essência egoísta que não pode ser alterada. E que esta
essência é nosso limite histórico: a melhor sociedade, a burguesa, é aquela que
reconhece esse individualismo e que se organiza ao redor dele. Daí a ideia da
“liberdade” do mercado e da “liberdade” da democracia.
A crítica de Marx e Engels ao liberalismo foi arrasadora. Não foi a
natureza que criou a humanidade, mas a humanidade criou a si própria pelo
trabalho. Ao descobrirem o trabalho como a categoria que fundou a humanidade,
eles conseguiram mostrar como a humanidade fez-se a si mesma. Já nos fizemos
seres humanos primitivos, depois nos transformamos em escravistas, em seguida
nos convertemos em feudais e, depois, nos fizemos burgueses. A humanidade é a
única responsável pela sua história: se nos fizemos burgueses, podemos, também,
nos fazer comunistas através de uma revolução que revolucione o modo de
produção e, também, a essência individual de cada um de nós.
Em
largos traços, esta é a importância do liberalismo e, correspondentemente, o
significado da obra de Marx e Engels para a nossa história.
Indicações de leitura:
H. J. Laski, O liberalismo europeu é um texto importantíssimo; de Lenin, O Estado e a revolução; de Marx, Crítica aos programas de Gotha e Effurti e de Engels, Do socialismo utópico ao científico
são textos em que diversos aspectos essenciais do
liberalismo são abordados e criticados. De Ivo Tonet, Liberdade ou democracia, uma coletânea de textos há muito
esgotada, mas que pode ser baixada no site (www. ivotonet.xpg.uol.com.br).
Em largos traços, esta é a importância do liberalismo e correspondentemente,
o significado da obra de Marx e Engels para a nossa história.